Se beber, não cause

Postado 02/03/2023
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Como diria Jânio Quadros: “Bebo porque é liquido. Se sólido fosse, comê-lo-ia” 

A bebida alcoólica é sem dúvida um dos maiores prazeres e males da humanidade. Teve sua origem ao acaso, na pré-história, a partir da fermentação natural quando da aparição da agricultura e cerâmica. Acredita-se que civilizou a humanidade por meios de laços sociais ao mesmo tempo que tornou os indivíduos dependentes. Celtas, gregos, romanos, egípcios, babilônicos e até o nosso famigerado presidente da esbórnia federativa tem se deleitado da mardita desde então. 

Focando apenas nas amenidades, todo bêbado tem estória boa e quase toda estória boa tem um bêbado. 

O primeiro relato de embriaguez foi de Noé, em (Genesis 9.21). No pós dilúvio, fez vinho, bebeu e se embriagou. Reza a bíblia que Noé gritou, tirou as roupas e desmaiou. Seu filho o encontrou “tendo à mostra as suas vergonhas”. Sem querer desmerecer o que talvez seja o único mico alcoólico de Noé, ouso dizer que vergonha maior foi do meu irmão mais novo. Certa vez, no auge da sua juventude nos anos noventa, ao chegar bêbado do boteco em uma madrugada de um domingo qualquer, tentou abrir a porta do banheiro para desafogar algumas dezenas de cervejas e algumas doses rum montilla com coca.

Segundo seu relato, ao abrir a porta do banheiro a luz misteriosamente se acendia sozinha. Você deve agora estar imaginando que a inteligência artificial chegou primeiro pelas bandas da Paraíba. Ele continuou a narrativa alegando veementemente, apesar do seu estado, que fez movimentos de abrir e fechar a porta seguidamente por três vezes, como se bêbado fizesse conta, afim de atestar a veracidade do banheiro inteligente. Mesmo intrigado, aliviou-se despejando todo álcool armazenado em sua bexiga, vestiu-se e abandonou o recinto, deitando-se no primeiro tapete que viu pela frente. Na manhã seguinte, D. Menininha, nossa mãe, o acordou pela orelha e lhe fez ir ao mercado repor todos os ingredientes da geladeira que ela havia abastecido de especiarias no dia anterior para compor o banquete familiar do domingo.

 D. Menininha era mesmo uma figura. Dizia em alto e bom tom, muitas vezes com palavrões, que tinha nojo de bêbados. Mesmo assim, semana sim outra também ela mesma preparava carinhosamente os aperitivos com única intenção de reunir em casa os nossos amigos cachaceiros para a farra do final de semana, que sistematicamente começava na mesinha de pau à sombra do pé de abacate do quintal. Seu Naelso, nosso pai, era sempre o DJ. Um estilo bem eclético que mesclava Zeca Pagodinho e Nelson Gonçalves. 

Tinha de tudo: Rabada, caldo de mocotó, tripinha, churrasco, feijoada…e lá pelas 11h, ia chegando todo mundo. Glauber levava a família inteira para filar a boia e não ter que fazer comida. Iam também, Ney, Paulo Bode, o Cafa (abreviação de Cafajeste), Biró, Gilberto Paiva, Beta boca de sacola, “oi” de Kombi, tinha até umas figuras de nome estrangeiro Blake Charles, Glace Kelly (com L mesmo), Leide Dai, etc

Um dia desses, a farra acabou mais cedo por um desentendimento na confraria. Um dos cachaceiros, chegou atrasado, já no auge da farra, porque resolveu levar a mãe que completaria naquele dia, oitenta abençoados anos. Ao anunciar com muito orgulho mais uma primavera, um dos colegas já mamado, teve a excelente ideia de cantar ao som das palmas: “Chegou a hora de apagar a velhinha…” o que começou com gargalhadas se transformou em palavrões e insultos.

A briga rolou solta. Apesar disso, todos que ainda habitam este plano espiritual mantiveram a amizade e o vício. Apenas o Ney, meses depois parou de beber. Ele procurou os alcoólicos anônimos depois de testemunhar as 5h da manhã, de um quiosque a beira mar em Boa viagem, uma vaca nadando até a praia. A pedido da família, para preservar a sua saúde já fragilizada pela cirrose, ele não sabe ainda que houve um naufrágio de uma pequena embarcação que transportava o gado perto da costa e a vaca não era uma assombração. 

Em resumo, o porre é breve e a vida mais breve ainda. Todo dia é uma saideira. O Importante é ter amigos por perto, colecionar memórias e ter boas estórias pra contar. E disso, todo bêbado entende.

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