Certa vez, durante o intervalo de aula de termodinâmica da faculdade de engenharia, observei um grupo de colegas conversando sobre a balada e dando notas a meninas que desfilavam pelo pátio do biênio. A pergunta da vez era: – “Da pra comer beijando?” a frase se referia as feições e curvas harmoniosas, aos padrões da época, da garota na berlinda.
Uma expressão machista que não cabe na atualidade. Muito embora, há que se concordar que sem beijo, qualquer relação íntima, por mais casual que seja, está fadada ao fracasso. Para escrever esta crônica eu fui a pesquisar em campo – literalmente. O beijo na boca é uma das demonstrações de afeto mais democráticas e globalizadas. Está presente do oriente ao ocidente e circula por todas as religiões.
E apesar de significados diferentes nas diversas culturas, ela tem em comum a mensagem de afeto. Se pensarmos na existência das civilizações desde os primórdios, o beijo na boca é uma invenção recente. Não há registros ou dados préhistóricos. Na idade média representava uma espécie de contrato entre o senhor feudal e o vassalo. Era uma forma de dizer, confio em ti, te dou a minha saliva (palavra). No século XVII porém, os homens acabaram com o hábito de beijar uma pessoa do mesmo sexo.
Do ponto de vista antropológico, sua origem remete ao ato de amor associado a pré-mastigação para transferência de alimento de mãe para o filho. Para Freud e a psicanálise a amamentação é a origem do beijo, no qual ele descreve como o primeiro contato que usamos para descobrir o mundo. Para os poetas apaixonados é a fonte de inspiração. No Mahabarata, o maior poema de todos os tempos, datado de aproximadamente 1000 a.C , é descrito a sensação do beijo “Pôs sua boca em minha boca, fez um barulho e isso produziu em mim um prazer”. Para o corpo é pura química.
Deixando a ciência, história e filosofia de lado, quem nunca sonhou com um beijo Hollywoodiano? No filme Dom Juan de Marco, Jhony Deep segura as mãos de Faye Dunaway, isola os dedos médio e indicador e os descreve como sendo as pernas de uma garota. Massageia as pontas dos seus dedos como quem dá uma massagem nos pés, sobe até as juntas sugerindo que são seus joelhos, acaricia as partes carnudas dos dedos enquanto insinua que são suas coxas.
Por fim, aproxima seu rosto e suave e demoradamente toca seus lábios e sua língua no “entrepernas” entre um dedo e outro, e assim, na década de 90 muitas mulheres dentro do cinema, cruzaram e apertaram fervorosamente as pernas se contorcendo de prazer em discreto suspiro, quase silencioso.
Beijo já foi obra de arte, já marcou época no cinema e na vida. Humphrey Bogart e Ingrid Bergman eternizaram o beijo em “Casablanca”, Burt Lancaster e Deborah Kerr fizeram corações pulsarem ao protagonizar um caloroso beijo na praia em “A um passo da eternidade”, Julia Roberts e Richard Gere em “Uma linda mulher” nos fizeram acreditar em príncipe encantado com direito a flores e beijo na sacada, e como não lembrar do marinheiro e sua enfermeira selando com um beijo ardente e apaixonado o final da segunda guerra mundial em plena Time Square lotada, há 77 anos.
Nunca é dado sem motivo, sempre traz consigo um significado, uma intenção, um sentimento. Já emocionaram o mundo e já separaram casais. Já acordou princesa e transformou sapo em príncipe. E como nem tudo é perfeito, foi através do beijo que Jesus foi traído.
Falando por mim, um beijo já me devolveu a inspiração, me sarou um arranhão, me calou na discussão, cortou meu choro, e me deixou desilusão. Já me foi fisgado, roubado e negado. Me fez chegar nas nuvens enquanto eu inclinava o calcanhar para alcançar a boca, abriu meu coração e meu zíper, tomara ainda me abrirá as pernas. Mas, se eu te escolher, terá que ser beijando.
Gostei muito
Achei muito pertinente a presença da termodinâmica no início da crônica. Durante décadas acreditou-se que a exotermicidade fosse um critério de espontaneidade das transformações. Mais tarde aprendemos que TUDO é mais complicado. Mas na maioria dos casos vale. Sabemos que vale. Aquele calor que vem com o beijo é o que os termodinamicistas chamam de exotermicidade. Maria, que mais disseram, naquela aula?